Por Alessandra Soares Muniz Gomes
Matéria publicada na edição de julho de 2011, nº 90, Jornal Mulier
No último dia 16 de junho de 2011, durante a 100ª Conferência Internacional do Trabalho realizada em Nova Iorque, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovou a Convenção sobre Trabalho Decente para Trabalhadoras e Trabalhadores Domésticos. É uma conquista histórica e que vai beneficiar principalmente mulheres trabalhadoras no mundo inteiro.
As novas normas asseguram às trabalhadoras e aos trabalhadores domésticos os mesmos direitos trabalhistas que outras categorias profissionais, como jornada de trabalho e descanso semanal de pelo menos 24 horas consecutivas, obrigatoriedade de no ato da contratação receberem informações claras sobre os termos e condições de emprego, bem como o respeito aos princípios e direitos fundamentais no trabalho, incluindo a liberdade de associação e negociação coletiva.
Com base em estudos ou pesquisas nacionais de 117 países, a OIT afirma que o número de trabalhadoras e trabalhadores domésticos no mundo pode chegar a 53 milhões de pessoas, número que pode dobrar, já que o trabalho doméstico é realizado em ambientes privados dos lares e, portanto, sem registros oficiais. Nos países em desenvolvimento, o trabalho doméstico representa entre 4% e 12% do trabalho assalariado, 83% realizado por mulheres e meninas, muitas migrantes. No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a atividade é exercida por 7,2 milhões de trabalhadoras e trabalhadores, sendo 93,6% mulheres e 61,6% negras. Em geral, elas não chegam a concluir o ensino básico e, apesar de terem direitos reconhecidos por lei, ainda são desrespeitadas pelos empregadores. O próximo passo agora para mudar o cenário é a ratificação da Convenção por parte dos países membros. No caso brasileiro, terá que haver alterar o artigo 7º da Constituição, que exclui as trabalhadoras e os trabalhadores domésticas dos direitos previstos para as demais categorias. O Ministério do Trabalho assegurou a elaboração de uma proposta que será enviada para a avaliação da presidenta Dilma Rousseff até o fim do ano.
A diretora-executiva da ONU Mulheres, Michelle Bachelet, ressaltou a importância da aprovação da Convenção e lembrou que por trás dos números citados acima, “existem pessoas, na maioria das vezes mulheres ou meninas, que trabalham incansavelmente para que outros possam se envolver em um emprego remunerado; melhorar o bem-estar material, emocional e viver com relativos graus de conforto. Se o Estado é ineficiente na proteção de cuidados e de outros serviços sociais, o trabalho doméstico preenche esta lacuna, permitindo um melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal para muitas famílias. Do outro lado deste cenário, estão a resiliência e a determinação das trabalhadoras domésticas para encontrar maneiras de sobreviver e prosperar. Frequentemente, essas mulheres são as únicas responsáveis pelo sustentos de suas famílias e comunidade, tanto quando estão nos seus países de origem ou trabalhando no exterior, contribuem para o desenvolvimento por meio de suas habilidades, trabalho, consumo, despesas fiscais e também com remessas financeiras e sociais”.
Carência de profissionais e valorização da profissão
Recente pesquisa realizada pelo Centro Feminista de Estudo e Assessoria (CFEMEA) aborda a realidade do trabalho doméstico na atualidade. Segundo as(os) organizadoras/organizadores, “a depreciação da atividade profissional do trabalho doméstico está diretamente relacionada a quem o realiza (mulheres, na maioria das vezes negras) e ao tipo de trabalho que se faz (doméstico, rotineiro, manual, reprodutivo, emocional) (…) Tanto a redução do trabalho doméstico a ‘trabalho simples’ quanto a sua diminuição a trabalho reprodutivo explicariam o seu não pagamento, quando realizado pela dona de casa, e o seu baixo valor, quando executado pela trabalhadora doméstica”.
O estudo mostra algumas mudanças no país, como o envelhecimento da categoria e a queda contínua do trabalho doméstico entre crianças e jovens até 17 anos (proibido desde 2008 em território nacional) e entre 18 e 24 anos. Uma das hipóteses para explicar este fenômeno é o “crescente aumento da escolaridade das jovens mulheres que, com maior qualificação, sentem-se capazes de buscar novas possibilidades de inserção no mercado de trabalho, diferentes do socialmente desvalorizado trabalho doméstico. Este, com baixas remunerações, alto grau de precarização e carregado de estigmas, parece se configurar como alternativa momentânea somente na ausência de outras oportunidades”. Dessa maneira, as trabalhadoras com idade acima de 30 anos passam a ter cada vez mais importância, e o trabalho doméstico, da forma como conhecemos hoje, tende a mudar.
A principal mudança já está em curso: uma maior valorização da profissão por parte de empregadores devido à redução de trabalhadoras disponíveis para a atividade. Segundo a consultoria Data Popular, as empregadas domésticas tiveram ganhos salariais acima da média da população nos últimos anos, consequência da valorização do salário mínimo e das mudanças sociais citadas. O rendimento médio individual das domésticas evoluiu 43,5% entre 2002 e 2011, descontados os efeitos da inflação. Já os ganhos dos brasileiros aumentaram 25% no mesmo período.
Fontes
BERNARDINO-COSTA, Joaze; FIGUEIREDO, Angela; CRUZ, Tânia (orgs.). “A Realidade do Trabalho Doméstico na Atualidade”. Brasília: CFEMEA, 2011.
Jornal “Folha de S Paulo”, 24/06/2011